'Tá, tudo bem, e o after day?'

O plano golpista de Bolsonaro e seus milicos amestrados era tão perverso quanto amador e é justamente isso que o torna tão assustador.

Costuma-se dizer que o Brasil não é para amadores.

E esta talvez seja uma das construções mais equivocadas da nossa cosmologia.

Sobretudo quando falamos de política!

Aqui nos deparamos com o incomodo fato de que o Brasil, com muita frequência, é sim um país de amadores. Mais do que isso, talvez seja a verdadeira terra prometida dos aventureiros de fim de semana, especialmente os nascidos em berço de ouro, os de pele mais branca, os homens. Um lugar onde os amásios são recompensados por suas habilidades medíocres, destes se fazem juízes, ministros, presidentes. Alguns, inclusive, tornaram-se até ditadores. De fato, olhando bem, tivemos regimes inteiros sob o signo do amadorismo.

Ao menos é isso que a história nos ensina!

E uma história que se repete, como estamos observando com a malfadada tentativa de golpe de estado capitaneada pelo próprio ex-presidente Bolsonaro.

Sim, pois não há outro adjetivo possível para se referir a essa turbamulta conspiracionista que utilizou seus celulares pessoais para tramar um golpe de Estado, que utilizaram a impressora do Planalto para imprimir os planos de assassinar o presidente Lula. Contudo, o maior sintoma do amadorismo da tropa é o fato de que não tinham a mínima ideia do que fariam caso fossem bem sucedidos na sua estratégia de impedir a sucessão presidencial.

Afinal, como convenceriam as outras nações a apoiar um regime golpista? E internamente? Como lidariam com a revolta dos próprios brasileiros que votaram em Lula?

Consta no plano golpista que aumentariam os benefícios sociais para criar uma falsa impressão de prosperidade. Mas como fariam isso? Com que dinheiro? Quem pagaria pelo verniz do golpe?

Pelo bem da verdade, é fundamental dizer que eles não seriam os primeiros a dar um golpe de estado sem qualquer planejamento sobre o dia seguinte. Digo, insisto e repito: quando se trata de política, o Brasil é a terra prometida dos amadores.

Isso aconteceu, por exemplo, em 1959, durante a chamada Revolta de Aragarças, quando um punhado de militares sequestrou dois aviões e sitiou o aeroporto da cidade de Aragarças, no interior de Goiás, com a intenção de derrubar o então presidente Juscelino Kubitschek.

Leitor, leitora, se vocês tiverem dificuldades em entender como o sequestro de um aeroporto no interior do país derrubaria um presidente, vocês não estão sozinhos. Nem os próprios militares envolvidos na tentativa de golpe souberam explicar direito como o plano funcionaria.

Jornal da época retratando o fracasso da Revolta de Aragarças

Contudo, talvez o maior exemplo de amadorismo golpista seja mesmo o Golpe de 1964, o que soa contraintuitivo, dado que fundou um regime que perdurou por mais de 20 anos. Contudo, o fato histórico é de que os militares golpistas não tinham a menor ideia do que fariam após o golpe, como fica comprovado pelos sucessivos atos institucionais que o seguiram. Não fosse o generoso apoio dos Estados Unidos, logístico e financeiro, a Ditadura Militar teria durado um semestre e não duas décadas.

E, de fato, os golpistas do presente seguiam a mesma cartilha dos generais do passado, inclusive, falam sobre isso nas mensagens. Contudo, ignoravam esse detalhe fundamental de 64, a presença ou, no caso do presente, a ausência de apoio estrangeiro.

Afinal, de onde Bolsonaro e sua trupe de milicos amestrados retirariam esse apoio, financeiro e logístico, uma vez que os EUA já havia declarado que não apoiaria qualquer movimentação golpista? Como sustentariam o golpe? Acredite, leitor, leitora, não havia nada ali. Não havia nenhum plano concreto para o dia seguinte, para o “after day”, como disse o ex-presidente em seu inglês macarrônico.

Havia apenas um ato de fé. Bolsonaro e seus homens estavam ali por um milagre que não viria.

E se pareço estar debochando é porque estou. Mas isso não muda o fato de que estou tocando num ponto central da trama bolsonarista. O ponto de que ela, no auge de seu amadorismo, era incapaz de pensar concretamente, baseava-se tão somente na vontade pueril de um tirano frustrado e no pensamento igualmente simplório de sua trupe de anal-retentivos hidrofóbicos.

Havia apenas muita vontade e pouca “realidade”, se que é que me entendem Havia apenas o “eu quero agora!” de um mau perdedor!

E foi isso, apenas isso, que minou o apoio das tropas, especialmente dos comandantes do Exército e da Aeronáutica. Leitor, leitora, não caia na conversa daqueles que vendem a fantasia dos militares legalistas, não caia nessa ladainha de que se tratam de lideranças democráticas. Eles apenas sabiam que não havia nada de concreto naquele delírio totalitário do ex-presidente. Sabiam que aquilo colocaria o país em maus lençóis.

Importante ressaltar que isso, o amadorismo, não muda em absolutamente nada a perversidade e a gravidade dos planos golpistas, muito, mas muito pelo contrário. O amadorismo de Bolsonaro e sua trupe ressalta justamente a fragilidade de nossas instituições, de fato, a fragilidade da nossa própria democracia. Esta que vive sendo ameaçada e até mesmo derrubada por aventureiros de fim de semana, por pessoas incapazes de imaginar o dia de amanhã, de pensar no “after day”.

E isso é perturbador!

Estou escrevendo a segunda temporada do Cálice inteiramente dedicada à história desses grupos golpistas formados no seio das Forças Armadas. Mas para isso ocorrer eu preciso da sua ajuda. Visite o nosso CATARSE e apoie o nosso projeto.

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