Precisamos falar sobre as Forças Armadas!
Não basta apenas prender os militares envolvidos, é preciso rediscutir o papel das Forças Armadas numa democracia.
Descobrimos que integrantes das Forças Armadas planejavam assassinar o presidente Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Reuniram-se sobre os auspícios do General Braga Neto e autorizados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Utilizaram-se do aparato do Estado para planejar seus crimes, seus próprios cargos, carros oficiais e até mesmo impressoras do Planalto foram utilizadas. Tudo isso comprovado por meio de mensagens obtidas no celular do antigo assistente de ordens do “Capitão”.
Mas ainda assim, ainda assim, há quem insista na tese de que se tratam apenas de alguns elementos isolados, alguns poucos radicais entre as fileiras legalistas das Forças Armadas. A despeito de todas as evidências de que a instituição foi posta a serviço de um plano golpista, de que a alta cúpula do Exército tinha pleno conhecimento do que estava sendo tramado.
Pior, há quem defenda - como Mucios e Cappellis da vida -, que as Forças Armadas atuaram para evitar um golpe de estado, que devemos a elas, vejam só, a manutenção da nossa frágil democracia.
Como? “Elas não aderiram ao movimento golpista”, dizem.
Mucios e Cappellis da vida esquecem que as Forças Armadas só não aderiram ao golpe por falta de apoio internacional. Caso houvesse, hoje estaríamos vivendo, mais uma vez, sob o domínio dos generais.
A história piora quando percebemos que toda essa defesa desavergonhada das Forças Armadas repete teses antigas a respeito da Ditadura Militar, teses que negam a responsabilidade dos generais, do próprio regime, e a joga no colo de alguns poucos “condenáveis”.
Nessa tese, tudo se passa como se todos aqueles crimes, assassinatos, torturas, corrupção, tudo aquilo fosse de responsabilidade exclusiva de um punhado de oficiais e conscritos que se excederam, que se perverteram. Mesmo sabendo que nada disso seria possível sem a anuência da alta cúpula militar, dos antigos presidentes.
Meros, “casos isolados”.
Pior, ainda há quem diga que os militares foram os verdadeiros responsáveis pelo restabelecimento da democracia no país.
Como? “Eles desistiram do regime”, dizem.
As duas teses não se assemelham? As duas não parecem ser feitas sob medidas para preservar os militares?
Ambas ignoram um aspecto crucial de toda essa história: a história das Forças Armadas é uma história de atentados contra a democracia! Da revolta dos Aragarças ao Oito de Janeiro, passando pelo golpe de 1964 e chegando ao Atentado do Rio Centro. Isso para ficarmos apenas nos casos mais conhecidos, pois poderíamos citar um sem número de atentados “menores”.
Na ponta do lápis, se pegarmos os últimos 100 anos do país, veremos que o maior inimigo das Forças Armadas brasileiras, aquele contra o qual elas efetivamente se armaram, contra o qual efetivamente lutaram, foi o próprio regime democrático.
E isso não é uma coincidência, é uma consequência direta do seu papel autoatribuído durante a própria fundação da República, quando se colocaram na posição de arautos exclusivos do único do que diziam ser o único e verdadeiro projeto de Brasil. A saber, um projeto eugenista, criado para - nos seus próprios termos - superar aquilo que identificavam como “mazelas genéticas” da nossa população, o nosso legado ibérico, indígena e negro.
E, justamente, por essa posição autoatribuída de “arautos do progresso”, de verdadeiros e únicos “defensores da nação”, assumem um caráter golpista, atentando sempre contra aquilo que consideram desvios, que identificam como uma subversão de seus ideais nacionalistas.
Um caráter golpista que se reforça na nossa incapacidade de puni-los, de colocá-los em seu devido lugar.
Juscelino Kubitcheck não puniu as Forças Armadas quando estas se organizaram para derrubá-lo, anos mais tarde, as mesmas Forças Armadas, os mesmos generais, inclusive, derrubariam João Goulart. Jamais punimos as Forças Armadas por aquilo que fizeram durante a Ditadura Militar, as mesmas se organizaram para derrubar a presidenta Dilma e eleger Jair Bolsonaro. E, mais recentemente, mesmo com tantos acenos, se organizaram para derrubar e assassinar o presidente Lula.
Até quando isso? Até quando vamos insistir nessa “relação harmoniosa” assimétrica entre a democracia e essas Forças Armadas? Assimétrica pois apenas nós, os democratas, acreditamos que ela exista. Enquanto o outro lado, se arma para nos derrubar.
E não pense que tudo se resolverá apenas prendendo os elementos envolvidos no planejamento do golpe, é preciso discutir seriamente o próprio papel das Forças Armadas em uma democracia, é preciso destituí-lo de sua posição anacrônica - e autoatribuída - de “arautos do progresso”, de “defensores de um projeto de nação”, colocando-os em seu devido lugar.
De instrumentos de defesa e promoção da democracia.
Em tempo, acabo de relançar o meu podcast Cálice, onde investigo o assassinato do embaixador José Jobim pelas mãos da Ditadura Militar. Mais uma dessas histórias que os militares querem que você esqueça!
Escute Cálice: O Caso José Jobim
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O saudoso advogado Sobral Pinto disse, sobre o procedimento das Forças Armadas na era republicana, que "a pior desgraça foi a República ter sido proclamada por militares; porque, desta forma, eles se sentiam DONOS da Republica". E ele foi um dos que apoiou o golpe de 1964 para tornar-se, depois, um dos muitos que se arrependeu disso.
Orlando, certa feita, eu vi um programa em que o jornalista Lúcio Neves dizia que os militares tentaram golpe em 92 e 94 (se a memória não falha, eles não confiavam no Itamar). O que existe de material sobre?