Não, isso não é clima de praia!
A crise no Rio Grande do Sul é apenas o sintoma de uma tragédia ainda maior.
Cresci no subúrbio do Rio de Janeiro dos anos 80, entre as mangueiras dos quintais e as amendoeiras das calçadas, no horizonte, morros arborizados. Vivia no bairro mais quente de uma cidade conhecida pelo seu calor. Rio 40 graus, como dizia a música. Fazia calor, muito, mas era suportável. Era! Cresci em um mundo que não existe mais. Esse subúrbio desapareceu, as árvores dos quintais e calçadas foram derrubadas para dar lugar aos carros, os morros foram ocupados por empreendimentos imobiliários e até coisas piores, como fábricas de cimento.
Veio o progresso, o desenvolvimento. O calor explodiu!
Os “melhores dias” se tornaram uma memória. Já não se pode mais viver sem ar condicionado. O que antes era luxo se transformou em necessidade.
Não, isso não é "clima de praia" - como diz o telejornal -, tampouco um mero contratempo. O calor extremo traz consequências para saúde no curto, médio e longo prazo, da morte de idosos por conta da temperatura a insegurança alimentar, do aumento de casos de câncer de pele a proliferação de mosquitos da dengue, insolações, impactos no sistema cardiovascular… para citarmos apenas alguns poucos exemplos de problemas causados pelas altas temperaturas.
Obviamente, a devastação do subúrbio carioca é apenas uma gota no oceano. Praticamente todas as regiões do país foram severamente afetas, em maior ou menos escala, por fenômenos semelhantes.
A tragédia no Rio Grande do Sul é uma prova disso.
Fruto da política de rapinagem ambiental que assolou o estado nos últimos anos, mas também fruto da política de rapinagem que devasta o país. E, insisto, dizer isso não diminui em absolutamente nada a responsabilidade dos políticos gaúchos.
Mas é importante salientar, por exemplo, que as “ondas de calor” no sudeste tem um impacto direto na concentração de chuvas no Sul. O calor forma uma barreira impedindo que as chuvas se dissipem sobre o restante do país. E todo esse processo, por sua vez, tem uma relação com as taxas de devastação da Amazônia.
A chuva no Sul não é um evento isolado, uma tragédia local.
Tudo está interligado! Estamos falando de eventos de escala global. Cada nexo desse hiper-evento depende do outro e por isso mesmo cada medida importa. Políticas de reflorestamento e mitigação dos efeitos do calor no sudeste ajudariam o Rio Grande do Sul, que por sua vez, também se beneficiaria de políticas de conservação ambiental implementadas em outras regiões do país, como o Centro Oeste e o Norte.
Com efeito, para superar a emergência climática no país, melhor, para mitigar os efeitos desse processo propriamente irreversível, seria necessário uma política verdadeiramente nacional, uma estratégia de coordenação que deveria envolver todos os atores e setores da administração pública.
Mas infelizmente não é isso que temos visto, mesmo agora, diante da tragédia em Porto Alegre e cercanias, a classe política e empresarial brasileira segue firme na sua estratégia de rapinagem ambiental. Inclusive, lucrando com essa situação.
Uma mentalidade obtusa que, infelizmente, se encontra presente até entre alguns vários setores da esquerda. Mas aqui, a rapinagem em prol do desenvolvimento, dizem.