Eu ainda estou aqui...
Até quando nos calaremos diante dos crimes cometidos pelos militares brasileiros?
Exatos 10 anos atrás, 50 anos após o golpe de 64, entregávamos nas mãos da presidenta Dilma Rousseff o relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Acreditávamos que seria um marco histórico, que a partir dali o Brasil lidaria de outra forma não apenas com o passado criminoso da Ditadura Militar, mas com a própria caserna.
Com efeito, o relatório continha, além de uma extensa investigação sobre as graves violações de direitos humanos cometidas pelos antigos generais, uma série de recomendações que visavam expurgar o legado sombrio do regime militar e impedir uma nova ascensão do totalitarismo no país.
Estávamos enganados, redondamente enganados!
Um dos primeiros atos do segundo governo Dilma foi exatamente o abandono da agenda proposta pela CNV, diziam que não era o momento político para aquilo. O movimento fazia parte dos acordos promovidos pelo Planalto para a garantir a governabilidade do segundo mandato de Dilma.
Dois anos depois viria o seu impeachment, provando que os tais acordos não foram suficientes para garantir a sua governabilidade.
Importante dizer que os tais “acordos” precediam a própria Dilma. Que eram um legado do próprio Lula, que atuou pessoalmente para enfraquecer a Comissão da Verdade ainda em 2010, quando, por pressão de movimentos civis e por conta de uma condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil se viu obrigado a instaura-la. Lula, contrariando a orientação de integrantes do próprio governo - como o antigo Ministro de Direitos Humanos Paulo Vannuchi - se mobilizou para garantir que a Comissão não tivesse poderes para punir militares pelos crimes cometidos durante a ditadura.
Sim, leitores, leitoras, ao contrário do que se propaga, não foi Dilma que instaurou a Comissão Nacional da Verdade - apesar de ser pessoalmente a favor -, a sua criação é debatida no âmbito do governo desde, pelo menos, 2006, e o anteprojeto de lei que a cria é de 2010. Mais uma vez, tudo isso segundo a pressão de movimentos civis e de processos que o país enfrentava na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
E é importante que se diga isso, pois a narrativa de que ela foi deposta por enfrentar os militares, apesar de soar um tanto heroica, não passa de uma propaganda promovida pelos próprios militares, para transformá-la num exemplo, numa prova de eles não devem ser desafiados.
Mas a realidade era outra, a realidade é que temiam a CNV, tanto era que se mobilizaram, desde o princípio, para sabotá-la, para forçar uma “conciliação”. Uma conciliação que, diga-se de passagem, nunca foi capaz de acalma-los, muito pelo contrário. A cada retrocesso, a cada “conciliação, eles se fortaleciam.
E se fortaleceram ao ponto de bancar um golpe, ao ponto de bancar um presidente. Melhor, presidentes, pois Temer e Bolsonaro são apenas dois pontos do mesmo continuum golpista. Um continuum que - e esse é o ponto crucial - persiste, mesmo agora, mesmo após a derrocada de Bolsonaro e o retorno de Lula. Um golpismo que se fortalece quando o governo trata os militares com leniência, recusando-se a puni-los por seus crimes, esforçando-se para tratar a trama golpista como um caso isolado. Se fortalece quando o governo se cala a diante dos crimes de 64, impedindo que sejam novamente investigados, pior, quando exalta a memória de participes da Ditadura, como ocorreu na ocasião da morte de Delfim Neto.
Um continuum golpista que se fortalece por meio de uma militância que se mobiliza para defender esses retrocessos, que promove o medo, afirmando que os militares não devem ser ameaçados sob o risco de um novo golpe, pior, que chegam a exaltar a caserna, tratando-os como os legítimos defensores do país.
E tudo isso no ano em que o golpe de 64 completa 60 anos, no ano em que o relatório da CNV completa 10 anos, no ano em que se descobre que os militares tinham planos para assassinar o presidente Lula.
Justamente ele que tanto conciliou com os militares. Provando, mais uma vez, que a conciliação jamais foi capaz de arrefecer a sanha golpista e criminosa da caserna.
Até quando seguiremos nessa direção? Quando, enfim, iremos instaurar uma nova forma de lidar com as Forças Armadas, quando, enfim, iremos concluir os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade?
Já se passaram 10 anos e eu ainda estou aqui, esperando.
Eu e as vítimas dos militares, do passado, do presente…
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Eu sinceramente achei que depois da notícia do plano de assassinato iria criar um pouco de coragem ao Lula para enfim enfrentar os milicos, mas pelo visto nem o instinto de sobrevivência dele consegue vencer o desejo de conciliar o inconciliável.
É um dos poucos pontos em que invejo os Argentinos, porque eles tiveram a coragem de fazer aquilo que não foi feito aqui.
Esperança zero de que haja na nossa política algum tipo de esforço em colocar os milicos no seu devido lugar, que, na verdade, deveria ser NENHUM!