Só a história será capaz de nos livrar do revisionismo que nos assola!
No auge do regime militar, os generais criaram o chamado Programa de Integração Nacional, o famigerado PIN. Um plano de ocupação dos “sertões” brasileiros - como denominavam a região -, especialmente a floresta amazônica, sob a desculpa de desenvolvê-los para que ela não caíssem nas “garras do comunismo internacional”. Supostamente temiam que o Brasil fosse alvo de uma insurreição no estilo de Cuba.
Esse é o berço do lema: “ocupar para não entregar”.
Pois o tal “desenvolvimento” prometido pelos militares nunca chegou, apenas projetos faraônicos e catastróficos, tanto do ponto de vista econômico quanto social. Para que se tenha uma ideia, um dos maiores exemplos desse grande programa de “integração nacional” foi o RADAM Brasil. Projeto de prospecção do território amazônico em busca de recursos naturais, especialmente minerais, cujo legado sombrio é o genocídio e o etnocídio das populações Yanomami no presente.
O progresso não chegou, mas outras coisas chegaram!
A ação dos militares, como mostra o relatório da Comissão Nacional da verdade e outros inúmeros estudos, só agravou os problemas sociais da região, especialmente no que diz respeito às violências perpetradas contra povos originários e a concentração de terras. Tudo isso enquanto enriquecia seus aliados políticos nas oligarquias locais e os próprios militares.
E verdade seja dita, não havia nada de novo aí, os militares estavam apenas requentando um prato antigo. O PIN, na verdade, era a versão da caserna da antiga “Associação Cívica Cruzada Rumo ao Oeste” instaurada por Getúlio Vargas sob os mesmos termos. Promoção do desenvolvimento e integração do território.
Contudo, Vargas, em sua eloquência característica, era mais aberto no que diz respeito aos intentos do programa: a realização tardia dos sonhos dos antigos “construtores da nacionalidade” brasileira. E nos termos varguistas, tais agentes do desenvolvimento nacional seriam os bandeirantes. Sim, o projeto varguista era abertamente pensado como um “reavivamento” dos sonhos dessas figuras que cindiram o território brasileiro em busca de ouro e pessoas para escravizar.
“Eis o nosso imperialismo”, repetia Vargas sem qualquer pudor ou necessidade de esconder os reais objetivos da sua “marcha para o Oeste”.
E não, leitor, leitora, eu não estou inventando essas palavras, elas realmente saíram da boca do ex-presidente. Tanto que uma das canções compostas para o projeto por Antônio Pepaiani de Pádua dizia exatamente isso:
“E todos vão assentar / Buscando louros / De mil tesouros / No chão febril
Sonhos de amor / Têm bandeirantes / Pelo oeste do Brasil”
Sim, tanto o PIN quanto a Marcha para o Oeste foram “apenas” derivações de um mesmo tema colonial, o tema das bandeiras. Sob a desculpa do “desenvolvimento”, pilhavam as riquezas da terra enquanto escravizavam e dizimavam os povos que ali viviam.

A história, infelizmente, não termina aqui. A marcha dos bandeirantes seguiu o seu curso e atingiu esse século.
Pouca gente se lembra, mas Belo Monte, um dos principais projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), originalmente se chamava Kararaô, e integrava o conjunto de grandes projetos formulados pelos militares para o seu próprio plano de “integração” da Amazônia, o famigerado PIN. Sim, o projeto de ocupação do Xingu por usinas hidroelétricas era originalmente um plano dos generais.
Por isso mesmo não é de se estranhar que o projeto tenha sido amplamente criticada por ambientalistas, especialistas, militantes políticos e pelos próprios povos originários que viviam na região de influência de Belo Monte. Todos apontavam que a usina não seria apenas uma catástrofe em termos ambientais e sociais, como também seria uma das piores alternativas possíveis em termos de eficácia na geração de energia.
O Ministro de Minas e Energia da época, o ex-deputado Edison Lobão, chamou aqueles que criticavam o projeto de “forças demoníacas” que queriam impedir o desenvolvimento da região norte. Edison Lobão que, diga-se de passagem - vejam só! - atuou no antigo Ministério do Interior da Ditadura Militar responsável pelo desenho e implementação do PIN. Que coincidência, não? Pois é.
Belo Monte veio e com ela o tal “desenvolvimento”.
A cidade de Altamira, a mais impactada pela Usina, foi assolada pela inflação, concentração de renda e rapidamente se tornou a mais violenta do país (hoje ocupa a sétima posição). A justiça já reconheceu oficialmente que Belo Monte promoveu o etnocídio das populações indígenas da região, inclusive contribuindo consideravelmente para a deterioração de seus quadros gerais de saúde; o que poderia ser enquadrado como genocídio. Para além disso, a obra gerou um efeito em cadeia, ampliando o desmatamento na região, colocando-a no topo do ranking nacional de desmatamento, e produzindo uma verdadeira epidemia de grilagens de terras. Por conta da magnitude do empreendimento, seus efeitos se espalharam e puderam ser sentidos por todo sul e sudeste do Pará, afetando povos originários, biomas e cidades que ficavam a centenas de quilômetros dali.

Esse foi o custo da energia gerado por Belo Monte, esse foi o tal “desenvolvimento” prometido. Enquanto as empreiteiras e as oligarquias locais comemoravam, os povos originários e os populares da região sofriam.
“Eis o nosso imperialismo”, como dizia Vargas.
E pelo visto não aprendemos a lição, essa ideologia imperialista segue ativa, muito ativa, nos dias de hoje. E não estou falando apenas da visão predatória de setores da direita brasileira, especialmente aqueles alinhados com o agro, mas da ideologia que atravessa setores da própria esquerda. Estes que insistem em revisar os antigos planos de integração dos militares sob a desculpa de promoção do desenvolvimento. Como fica evidente na fala do atual Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que prega sem qualquer pudor a exploração de Petróleo e de minérios na Amazônia brasileira.
A mesma história de sempre, tal qual os militares, tal qual Vargas, tal qual os bandeirantes.
Texto excelente.
Sempre aprendo muito com seus textos. Obrigada!