É Preciso Saber Perder!
É preciso reconhecer que a esquerda partidária sofreu uma derrota avassaladora nas urnas. Do contrário seremos novamente derrotados em 2026.
Lembro bem das eleições de 1998.
Seria a primeira desde que me envolvi com a militância estudantil, que me entendi como uma pessoa de esquerda. Na época, me considerava comunista e já participava dos meus primeiros protestos contra a submissão do país ao mandos e desmandos do FMI. Lembro bem do sentimento coletivo de que, enfim, o Brasil poderia ter um governo orientado à esquerda, o primeiro desde João Goulart.
Enquanto alguns lamentavam, outros estavam eufóricos.
O governo de Fernando Henrique Cardoso entrava nas eleições enfraquecido, em crise, lidava com suspeitas de corrupção - especialmente com relação a compra de votos para para a PEC da reeleição - e lutava contra a desvalorização aguda do Real, puxada, sobretudo, pela crise asiática e pela moratória da Rússia.
Por outro lado, a esquerda partidária se fortalecia com uma chapa única, auspiciosamente chamada de União do Povo Muda Brasil. Lula encabeçava a chapa enquanto Leonel Brizola do PDT seria o seu vice.
Para completar o cenário, especulava-se que o jovem Ciro Gomes, candidato pelo PPS (atual Cidadania), a grande novidade da centro-direita brasileira, morderia parte do eleitorado de FHC.
Não poderíamos estar mais errados!
Fernando Henrique Cardoso se reelegeu e, mais uma vez, com uma vitória acachapante no primeiro turno. 53% dos votos, contra 31,7% de Lula e 10,9% de Ciro Gomes.
A euforia de outrora deu lugar ao desespero. O comentário geral era de que o Brasil, por sua própria história, por sua própria estrutura conservadora, jamais teria uma presidência à esquerda.
Marcava-se, aí, um ponto de cisão na história da esquerda partidária. A cúpula do PT, ciente da rejeição de Lula, se viu diante de duas opções: ou apostava na formação de um novo nome para a presidência ou em estratégias para suavizar a imagem do antigo líder sindical.
Sabemos bem o que aconteceu.
Em 1999, Lula e sua equipe passaram a adotar um tom conciliador, seu projeto político passou a ser vendido como um grande acordo desenvolvimentista onde todos ganhariam, dos banqueiros ao povo, da indústria ao camelô. Até a imagem do líder sindical se transformou, as roupas e o jeito despojado de outrora foram gradualmente substituídos por ternos e um comportamento mais formal. Até a sua barba foi ajustada visando diminuir a sua rejeição.
Criava-se, inclusive, um apelido: Lulinha paz e amor. Lembram-se disso?
O PT, por sua vez, ampliou o seu rol de alianças, buscando setores e partidos mais à direita, como o PMDB (atual MDB), o PMR (atual PRB) e o PL. Inclusive, foi assim que José Alencar, do Partido Liberal, o famigerado PL, se tornou vice de Lula em 2002.
PT e PL juntos na presidência, isso soa estranho aos ouvidos, não?
Hoje e sempre.
Na época muitos - eu, inclusive - criticaram o partido e o próprio Lula pelo movimento, pelo sua associação com a centro-direita. Preferíamos que o partido apostasse no trabalho de base, reforçando as estruturas e os laços que mantinha com movimentos populares, incluindo-se aí grupos religiosos, como os eleitores evangélicos.
Lembre-se, na época, a conjuntura era outra, os evangélicos ainda não formavam um bloco político especialmente alinhado com a direita, muito pelo contrário, seu voto parecia orientado para políticos e políticas progressistas Como a eleição de Garotinho (na época do PDT) e Benedita (PT) para o governo do Rio de Janeiro bem demonstravam.
Mas enfim, o ponto é que criticávamos o que chamávamos de atalho para o poder. O PT visava mudar a sociedade de cima para baixo, achávamos que o contrário seria o mais adequado.
Vieram as eleições de 2002, a vitória de Lula e o início de um ciclo de mais de uma década do PT no poder.
Não entrarei aqui nas consequências da política dessa agenda de conciliação dos governos de Lula, mas é inegável que, diante dos seus objetivos, a leitura que ele seu partido fizeram da derrota de 1998 foi a mais acertada. Desejavam conquistar a presidência e foi o que conseguiram.
E esse é o ponto fundamental: tanto o partido, quanto Lula, aceitaram a derrota e, a partir dela, traçaram as estratégias para as próximas eleições. Entenderam que competiam em desvantagem com a direita, tanto em termos de financiamento, quanto em termos de exposição, e passaram a investir em alternativas.
Um exemplo disso, inclusive, é a forma como o partido se aproximou, na virada dos anos 2000, dos núcleos de mídia independente, de sites de internet, de blogueiros, de rádios comunitárias, etc…. Inclusive, pode soar estranho hoje em dia, mas as esquerdas foram pioneiras na ocupação do ecossistema virtual.
E tudo isso, todas essas estratégias, nascem da derrota, melhor, do entendimento da derrota. Da compreensão de que algumas coisas não estavam funcionando e que seria necessário mudar para alcançar os objetivos traçados. Mais uma vez, concordemos ou não com essas mudanças, é inegável que os objetivos foram alcançados.
Essa capacidade de reflexão, de aprendizado, parece ter se esgotado no presente. Quando boa parcela das esquerdas sequer conseguem compreender que foram derrotadas, enquanto outra parcela adota uma postura fatalista, quase como se a derrota fosse um dado imutável da atual conjuntura. De um lado estão aqueles que dizem “fizemos uma campanha linda”, do outro os que dizem “é impossível vencer a direita”.
Por vezes, ambos são a mesma pessoa.
Enquanto isso, o debate, fundamental e urgente, sobre onde estamos errando é continuamente interditado. Virou, inclusive, uma espécie de pecado mortal!
Quando tocamos no tema, geralmente caímos em fórmulas prontas que nos impedem de aprender com a derrota.
Repetimos que a direita tem mais dinheiro, mas não nos perguntamos sobre como o dinheiro das esquerdas é gasto, não questionamos os milhões de reais despejados em empresas de aliados políticos para fazer campanhas ineficientes. Falamos sobre como a direita conta com a mídia e as redes sociais, mas não nos questionamos sobre como as esquerdas simplesmente abandonaram o debate sobre a constituições de mídias independentes e negligenciam produtores de conteúdo alinhados. Falamos que a direita conta com emendas parlamentares, mas não nos questionarmos sobre como a esquerda utiliza e promove suas próprias emendas. Lamentamos que nossos candidatos sofrem com alta rejeição, mas não nos perguntamos o motivo dos partidos não investirem na renovação de seus quadros. Enfim, lamentamos a derrota nas urnas, mas não percebemos que fazemos campanha da mesma forma que fazíamos em 2010.
E, veja só, em 2010 já estávamos ultrapassados, só ver as seguidas derrotas no congresso e nas municipais que ocorreram naquela época.
Enfim, lamentamos e não percebemos que o mundo mudou e que as esquerdas precisam mudar. A própria forma de se fazer política de se conectar com a população precisa mudar. Do contrário, amargaremos derrotas atrás de derrotas, repetindo pateticamente que detestaríamos estar do lado de quem venceu!
É preciso saber perder para poder ganhar.
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Muito bom te ler, irmão. Tenho 30 anos e não manjava dessa conjuntura de 98, achei massa tua análise.
Não sei se tu tá ligado como tá a conjuntura aqui de Manaus, mas é desastrosa. Hoje comecei a colher relatos de militantes de partidos de esquerda daqui pra saber o porquê eles acham que estamos com o legislativo e executivo tão dominados pela direita. Em breve publico esse texto.
Abraço!
Lula realmente suavizou sua imagem para 2002 mas não dá pra cavar que foi esse o motivo de sua vitória. O governo FHC 2 foi um desastre e a eleição que veio a seguir estava destinada a um candidato de esquerda. A campanha de José Serra pelo PSDB, por exemplo, escondia o então presidente do Brasil, também tucano.