Bolsonaro, Trump e a "uberização" do Estado.
Afinal, qual é o plano da Extrema Direita mundial?
Rio de Janeiro, engarrafamento.
Me encontro no banco de trás de um carro de aplicativo. Vidros escuros fechados abafavam o som das buzinas e boa parte da luminosidade que vinha da rua, o ar condicionado criava um clima artificial necessário diante do calor implacável do verão carioca. Estávamos, eu e o simpático motorista, em boa medida, confortavelmente alienados do mundo. Tanto foi que nossa atenção se concentrava mais na tela de um segundo celular depositado sobre o painel do carro, do que no caos que nos circundava.
Ali, Bolsonaro esta sendo entrevistado no programa do Flow. O simpático motorista reage a cada frase de efeito, vibra com as ideias tortas do sujeito e lamenta os rumos atuais da política brasileira. “É um absurdo o que estão fazendo com ele!”, dizia de forma convidativa, esperando minha opinião. Enquanto eu, que estava com os fones de ouvido deligados, fingia estar escutando música, chegava a estalar os dedos em um ritmo imaginário, apenas para não interagir.
Exu que me defenda!
Mas, como sempre, prestava bastante atenção nas palavras de Bolsonaro, naquele mais do mesmo, na repetição à italiana de sua repisada cartilha, propagando notícias falsas, medo, distorcendo a realidade política e econômica do país para seus apoiadores. Melhor dizendo, do mundo, pois um dos pontos cruciais da entrevista foi - como esperado - se mostrar alinhado com os ideais e movimentos do governo Trump.
Para além da crítica óbvia sobre o absurdo que consiste um suposto nacionalista defender de forma tão canina o alinhamento, melhor dizendo, a subordinação do país à máquina trumpista, foi interessante ver Bolsonaro falando sobre o tema, pois como lhe falta um certo refino nas ideias, suas falas acabam sendo particularmente transparentes sobre os objetivos desse movimento global.
Bolsonaro deixa explícito que a extrema direita deseja destruir toda e qualquer salvaguarda estatal para transformar o mundo no que consideram um ambiente “propício” para os negócios. Até aí, nada de muito diferente do ultraliberalismo típico do fim do século passado. Contudo, pelas palavras de Bolsonaro - e pelas atitudes de Trump - fica claro que eles desejam mais do que simplesmente por em prática o projeto de “redução” da máquina estatal em nome dos interesses privados, eles pretendem efetivamente substituí-la por máquinas privadas.
Perceba a diferença, leitor, leitora. Enquanto os ultraliberais do passado apostavam na redução do Estado ao seu aspecto mínimo, Bolsonaro, Trump, Musk e a extrema direita global querem transformá-lo em um “facilitador” de negócios. Quase como se fosse um aplicativo como o Uber, mas que no lugar de oferecer viagens, “conectando” (explorando) motoristas e passageiros, o Estado ofereceria seus recursos, incluindo-se aí a população e o próprio Estado, a investidores bilionários.
Nesse ambiente defendido pela extrema direita global, tudo, mas absolutamente tudo que existe em um país é passível de ser oferecido enquanto “oportunidade” para esses investidores. Mas para tanto, é necessário que sejam preparadas para isso. É preciso, por exemplo, que o próprio Estado de Direito e as garantias e seguranças que ele oferece aos cidadãos sejam desmanteladas para que, posteriormente, sejam transformadas em “oportunidades” oferecidas para alguns bilionários.
O próprio Estado de Direito é destruído para que se torne um produto.
Inclusive, esse é explicitamente o papel de Musk na gestão Trump.
Dito de outra forma, no mundo distópico projetado pela extrema direita, tudo, absolutamente tudo será propriedade de algum bilionário, inclusive - diria que sobretudo - nossas vidas.
E esse prognóstico terrível me lembrou os campos de extermínio da segunda guerra mundial, onde os cabelos dos judeus assassinados nas câmaras de gás eram oferecidos a empresas privadas para serem transformados em cordas e colchões. A tragédia humana se torna um grande negócio para esses homens.
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Todos os direitos da classe trabalhadora conquistados no século XX sendo retirados e o estado cada vez mais nas mãos dos bilionários.