A luta contra a escala 6x1 é uma luta contra o fascismo!
A luta pela abolição da escala 6x1 pode representar um marco contemporâneo para as esquerdas, o momento em que elas, finalmente, enfrentam o fascismo na sua origem.
Rick Azevedo, um dos fundadores do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), um dos principais nomes na luta pelo fim da escala 6x1, recebeu migalhas do fundo partidário do PSOL e, ainda assim, se tornou o vereador mais votado do partido na cidade do Rio de Janeiro, um dos mais votados da cidade em todos os espectros. Superando, inclusive, campanhas milionárias de outros partidos. E, pasme, em lugares onde a esquerda carioca costuma ter derrotas homéricas, em locais que considera como exclusivos da direita.
As periferias da cidade.
Qual foi o seu segredo? Ele literalmente correu a cidade com um cartaz no pescoço pedindo o fim da escala 6x1. O jovem vereador, pegou trem, ônibus, foi em feira popular, em centro comercial, foi em samba, foi onde o povo, o povo mesmo, não o pobre metafórico, estava. Rick conhece bem o tema, ele próprio, um jovem pobre, preto e gay, trabalhou, por anos, como balconista de uma farmácia no Rio de Janeiro. Trabalhou na escala 6x1. Ele não apenas conhece o tema, ele conhece a dor do seu eleitorado.
Pois a escala 6x1 não é apenas sobre o trabalho, mas sobre tudo aquilo que o envolve, das horas de deslocamento em transportes públicos precários e inflacionados a perda do convívio familiar, de problemas de saúde (física e mental) a violência urbana. A escala 6x1 não é apenas sobre trabalho, ela representa a precarização da vida como um todo.
Uma precarização que alimenta a extrema-direita.
“Como assim?”
Recentemente, em minha coluna no The Intercept Brasil, propus um experimento aos que desejam compreender a virulência da extrema-direita.
Tomem um ônibus lotado na periferia de uma grande capital brasileira. Façam isso e prestem atenção nos afetos tristes que dominam as pessoas ao seu redor. Prestem atenção na tristeza, na raiva, na desesperança. Repare bem nesses afetos e depois olhe para o que a extrema-direita oferece a estas pessoas.
O Bolsonarismo, por exemplo, lhes oferece uma promessa de vingança, isto é, avança apontando supostos culpados pelas mazelas que afligem o corpo e o espírito dessas pessoas, prometendo expurgá-los não apenas da vida política, mas do próprio horizonte social. É como se dissessem: “estes são os verdadeiros culpados pela sua dor, pelos seus medos, e nós somos aqueles que vamos destruí-los em seu nome, em nome do seu sofrimento.”
Pablo Marçal, por outro lado, representante de uma nova e crescente vertente da direita, conquista seu público por meio da esperança, prometendo libertá-los desse mundo de dor e sofrimento, dessa vida precária, por meio de promessas vazias de prosperidade. Um processo muito semelhante ao das igrejas neopentecostais, especialmente as adeptas da teologia da prosperidade, diga-se de passagem.
Estas que, não por coincidência, se espalharam no rastro precarização da vida na nossa sociedade contemporânea. Existem, inclusive, dados sociológicos muito concretos a respeito disso.
E por que isso? Por que esses discursos de ódio e de esperança conquistam a população?
Simples, por oferecerem uma alternativa a toda essa precarização da vida, ainda que uma alternativa nociva, ainda que vazia, ainda que falsa, ainda assim, uma alternativa. Pois o contrário disso, seria aceitar passivamente a sua dor, observar imóvel a destruição de sua própria existência. Representaria “não fazer nada” para mudar.
E quando olhamos para a história, especialmente para os momentos em que o fascismo aflorou, percebemos padrões muito semelhantes. É só olhar para a condição dos trabalhadores italianos dos anos 1920, dos alemães na mesma época, dos espanhóis na década de 30. Mas também podemos - e devemos - inserir aí a emergência de governos ultraliberais e suas promessas vazias de enriquecimento pessoal, como ocorreu com o Reagan e Thatcher em meados dos anos 80.
O próprio Trump no presente!
Dito de outra forma, a extrema-direita floresce, em parte, canalizando essa revolta, essa raiva, a dor dos mais pobres, oferecendo-lhes uma resposta, ainda que essa resposta sejam meios vazios de superá-la. Seja pela vingança, seja pela esperança, por vezes ambos.
E o que nós oferecemos?
O que oferecemos, especialmente agora, em um cenário onde o campo progressista e as esquerdas parecem condenadas a um certo realismo fatalista, sempre defendendo o “menos pior” como a única alternativa possível. Onde lutas fundamentais, como a abolição da escala 6x1, costumam ser interditadas sob a desculpa de nunca serão aprovadas pelo atual congresso.
Por um congresso que só piora.
É como se atuássemos na direção oposta do sucesso da extrema-direita, oferecendo ao povo resignação, apatia, covardia... Mais uma vez, é como se tudo que tivéssemos para oferecer ao povo, para aqueles que verdadeiramente sofrem com a precarização da vida, a nós mesmos, fosse o “menos pior” dos mundos possíveis.
E isso não é suficiente.
E isso tem que mudar. E é urgente!
A luta pela abolição da escala 6x1 pode representar uma mudança significativa no campo das esquerdas, nas suas táticas políticas. Pode representar a ressurgência de uma esquerda que não apenas se permite sonhar, como se organiza para lutar por esses sonhos. A mobilização popular ao redor da pauta, que vai além, bem além do nosso próprio campo, mostra como ela pode ser até maior do que isso. Pode representar o momento, o primeiro em muitos anos, em que começamos a fazer frente ao discurso e táticas da extrema-direita, o momento em que voltamos a oferecer uma resposta ao povo!
E isso não é tudo, como diria o filósofo francês. Se vencermos, se a nossa luta for capaz de abolir a escala 6x1, teremos uma atuação concreta pela melhora da qualidade de vida dos mais pobres, diminuindo, assim, a precarização da existência, o grande combustível da extrema-direita.
Desconfio se não formos capazes de abraçar essa causa, de nos unirmos ao seu redor, é sinal de que já não somos capazes de nos organizar e lutar por mais nada. Se for isso, de fato, estamos condenados ao “menos pior” dos mundos possíveis.
E isso não me parece suficiente. E para você?
Se você chegou até aqui é por gostar do meu conteúdo, por isso, por favor, considere apoiar o meu trabalho, seja por meio de divulgação em suas redes, seja por uma contribuição financeira. Toda ajuda é importante. Iboru!
Acompanhe aqui o trabalho da Paula Villar: https://www.instagram.com/artevillar
Excelente texto
Que síntese! Preciso, direto e reto!