A ESQUERDA SABE SE COMUNICAR? A RESPOSTA NÃO VAI TE SURPREENDER!
As eleições de 2026 se avizinham e a comunicação da esquerda está em 2010
Há semanas, uma parcela considerável da esquerda embarcou numa campanha alarmista – e um tanto conspiratória – sobre um seminário da Meta com políticos do PL. Muitos, obviamente, aproveitaram o clima para atacar quem, como eu, passou os últimos anos apontando falhas graves na comunicação do governo e da esquerda. Para os advogados amadores (e pro bono), o problema não seria como o governo e a esquerda se comunicam, mas sim - e apenas - o apoio aberto das plataformas à direita.
A lógica binária desses torcedores ignora um fato óbvio: uma coisa não exclui a outra! Muito pelo contrário. Num espaço que naturalmente favorece a direita, é urgente que a esquerda aprenda a operar nessas plataformas e a usar suas ferramentas a seu favor.
Do contrário, restará apenas "chorar na calçada".
Mas voltemos ao seminário da Meta que gerou todo esse alvoroço. Tratava-se, vejam só, de uma mera apresentação e treinamento oferecido pela empresa a grupos e figuras relevantes em suas redes. Nada além disso: sem acordos escusos, sem declaração política pró-extrema-direita, sem patrocínio oficial. Pior: era um workshop oferecido regularmente a políticos e grupos de interesse – inclusive ao PT, como revelou a própria Gleisi Hoffmann. Segundo ela, a Big Tech (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp) contatou o partido, suas lideranças e parlamentares individualmente. Alguns poucos mandatos e membros da SECOM até participaram de treinamentos, mas, no geral, o interesse dos políticos progressistas por essas atividades sempre foi pífio.
Sintomático!
Sintomático de como a esquerda, ensimesmada, encara a comunicação como uma atividade secundária. Quando muito. Pois, no geral, sequer a vê como algo digno de atenção.
Basta observar como a comunicação de partidos e mandatos costuma ser loteada por "compas" sem qualificação ou treinamento, e como a própria palavra "comunicação" é interpretada no nosso campo. Com efeito, reduz-se "comunicação" a sinônimo de propaganda, post em rede social ou, atualmente, "fazer dancinha no TikTok". Na realidade, comunicação política abrange ações amplas, incluindo estratégias de PRESENÇA e ESCUTA ATIVA – duas práticas que as esquerdas, especialmente a partidária, abandonaram sistematicamente ao longo dos anos.
Tomemos como exemplo a comunicação do governo e do próprio PT: basicamente, um amontoado de peças publicitárias vazias centradas na imagem de Lula. Com efeito, tudo começa e termina nele. Não há outras vozes, outros rostos, outros "produtos". Sobretudo, não há estratégias de presença nos territórios, seja por agentes locais, seja por ações locais – estratégias que, por definição, dependem da escuta ativa da população.
Se certos grupos ou territórios resistem à figura de Lula, por que não investir em outros rostos, nomes ou "produtos" para fazer circular nossas ideias? Ou o único objetivo é impor um culto à figura do presidente?
A verdade é que essa construção dá trabalho – muito trabalho. É uma atividade quase antropológica, que pressupõe estudo e escuta ativa. E isso num momento em que a esquerda, cada vez mais ensimesmada, se acostumou a chegar nos territórios com respostas prontas, nunca com perguntas.
Não por acaso, lideranças da esquerda, incluindo o presidente, repetem fórmulas ultrapassadas sobre os desejos e a suposta realidade dos brasileiros. Vejam o que aconteceu na "Crise das Blusinhas": figuras do governo, como Haddad, e boa parte da militância "torcedora" engajaram-se num esforço negacionista sobre os padrões de consumo das classes C e D. Ignorando os efeitos nefastos da medida sobre a imagem do governo.
Estratégia defasada que vem se convertendo em desgaste da imagem do presidente, como mostram as pesquisas.
E que fique claro: a comunicação do governo é apenas UM exemplo. Poderíamos citar outros partidos de esquerda, mandatos parlamentares, sindicatos e até organizações progressistas como modelos negativos desse tipo de "comunicação". Ensimesmados, desalinhados das estratégias e ferramentas atuais. Quem precisa de estratégias indiretas? De comunicação segmentada? De identificação com o interlocutor? Para o nosso campo, parece ser tudo conversa fiada.
Isso se torna ainda mais grave e num cenário onde os meios por onde as mensagens circulam favorecem as vozes da direita.
Enquanto isso, o outro lado investe pesado em estratégias difusas de comunicação. O último exemplo: deputados do PL destinaram R$ 2,6 milhões via emendas Pix para uma série conservadora sobre a colonização do Brasil. O projeto, com direção de um amigo de Mário Frias, realizado por uma produtora abertamente conservadora, exaltará figuras como Anchieta e Dom Pedro I.
E o nosso lado investe em que? …
Estou escrevendo a segunda temporada do Cálice inteiramente dedicada à história desses grupos golpistas formados no seio das Forças Armadas. Mas para isso ocorrer eu preciso da sua ajuda. Visite o nosso CATARSE e apoie o nosso projeto.
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Muito bom ler esse texto! Eu trabalho com pesquisa qualitativa e vejo, nos grupos focais, falas construídas em “laboratório” — e isso não quer dizer que a pessoa não tenha uma opinião, mas sim que ela acessou uma ideia que resume seu mal-estar, e isso acaba virando um coro. Um dos motivos, sem dúvida, é o volume de conteúdos da extrema-direita circulando ser imensamente superior, tanto em quantidade quanto em diversidade de formatos e canais. No entanto, o que mais me preocupa é um sentimento difundido de que aprender a usar as redes é aprender a fazer, com as redes, o que a extrema-direita faz — e isso também paralisa o que poderia ser um movimento de apropriação criativa e subversiva dessas ferramentas.
Ótimo texto. Devum lado nosso campo insistindo em uma comunicação centralizadora e ineficiente. Enquanto isso o outro lado criando novos nomes o tempo todo e se enfiando em todo tipo de meio de comunicação.
Me incomoda pensar que mesmo sendo afiliado a um partido de esquerda e recentemente me tornaso voluntário de um movimento social, eu acabo recebendo muito mais informações de coisas que a direita está fazendo do que coisas relacionadas a esquerda, na maioria das vezes por causa daquela pró-atividade da galera do nosso campo em tornar gente do outro lado famosa.