Se você procurar no dicionário, não encontrará a palavra “delusional” — ao menos por enquanto. Trata-se de um estrangeirismo recente, cunhado para designar pessoas imersas em uma forma peculiar de alienação: eternamente presas a um mundo ideal, que pouco ou nada tem a ver com a realidade. Vivem esperando ou perseguindo o "melhor", ignorando ativamente qualquer aspecto concreto que as desafie a sair dessa fantasia.
Infelizmente, é um termo que poderia definir certas correntes das esquerdas contemporâneas. Ou, como dizem os mais jovens, “delulu”.
De um lado, há a ilusão da militância virtual, que confunde convenientemente postagens com posicionamento político, transformando frases de efeito ou até a mera presença em redes sociais controladas por adversários em supostos atos de resistência. “Somos todos isso, somos todos aquilo, somos todos militantes” — como se autoproclamar bastasse.
Já disse antes: nunca vi tantos “militantes” e tão pouca militância.
Afinal, essa legião de “militantes delulu” raramente se traduz em presença concreta nos territórios, sobretudo em ações que não rendem likes ou stories. Até o “militante de protesto” — aquele que comparecia a atos apenas para registrar a própria foto nas redes — está se tornando uma espécie em extinção.
Do outro lado da moeda está o “realpolitik de sofá”. Esse sujeito, igualmente aprisionado na práxis virtual (ou seja, inexistente), limita-se à defesa incondicional de qualquer ato de seu político de estimação — seja Lula, seja Ciro Gomes (o “morreu ou foi para a Record?”). Enquanto os delulu depositam fé em suas próprias performances online, os realpolitik idolatram as ações de seus líderes como dogmas. Tudo que o “messias” diz é verdade absoluta, mesmo que contradiga seus próprios ideais ou discursos anteriores.
Ambos os lados compartilham o mesmo vício: o ensimesmamento virtual. Radicalizam à margem de seus próprios umbigos, falando cada vez mais para para si mesmos, distanciando-se da realidade e das pessoas que nela habitam. Quando confrontados com a ineficácia de suas ações, culpam o mundo real e seus habitantes — afinal, se a realidade não se curva às suas hashtags ou à retórica de seus ídolos, o problema está nela, nunca em suas práxis fantasmas. O problema é a suposta inclinação natural do brasileiro ao fascismo, que a direita é invencível, que Júpiter retrogado… Para variar, ambos se odeiam, ambos acusam o outro de viverem em suas próprias “bolhas”.
No fim, ambas contribuem igualmente para a desmobilização nas bases, nos territórios.
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Texto excelente como sempre.
Uma galera que adora dizer que é o "único partido de esquerda relevante" mas que fica defendendo políticas de direita porque tem que elogiar tudo que o político de estimação faz. Com certeza se fosse outro político implantando as mesmas políticas estariam levantando hashtag nas redes para criticar.
Vou para eleição do ano que vem com um sentimento de desânimo que não sentia desde 2014.
Pra variar, concordo contigo! E quando a pessoa não se encaixa nessa esquerda delusional, mas, mesmo assim, não está agindo num território: como encontrar tempo pra agir quando a gente é patrolado por demandas, por escalas desumanas de trabalho? Apoiar o trabalho de influenciadores é um caminho, eu sei, mas o que mais se pode fazer?